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29 junho 2010

Flor do Deserto

 




 No país onde Waris Dirie nasceu todos os nomes têm significado. O seu significa "flor do deserto", uma fina ironia do destino que levou uma menina pobre, filha de uma família nômade do deserto da Somália, um canto esquecido da África, para o topo da lista das mais bem sucedidas top-models da Europa.
Esta semana está estreando no Brasil o filme "Flor do Deserto", com Liya Kebede interpretando a somali Waris Dirie. Aos 12 anos Waris fugiu do acampamento onde morava com seus pais, atravessou durante três dias o deserto até chegar em Mogadishu, de onde, com a ajuda da avó, embarcou para Londres para trabalhar como empregada doméstica na casa do embaixador da Somália. Anos depois foi descoberta pelo fotógrafo Terry Donaldson e logo se tornou uma modelo de sucesso mundial.


Entretanto, a atenção que esta jovem atraiu para si não se deve somente a seu belo rosto, mas também à mutilação que carrega em seu corpo, fruto de uma tradição tão antiga quanto brutal. Waris Dirie, aos 3 anos, teve seu clítoris cortado fora junto com os lábios e sua vagina costurada para "manter sua pureza". Para nós é difícil imaginar que uma mãe possa submeter sua filha a esse tipo de mutilação, mas em torno de 6.000 mulheres são submetidas a essa tradição todos os anos na África. Waris hoje é embaixatriz da ONU na luta para acabar com essa tradição que, embora seja observada em comunidades somalis muçulmanas, não encontra base no Alcorão.
O filme emociona o espectador. A história nos provoca a conhecer e nos posicionar frente a essa tradição, mas também suscita em nós outros questionamentos paralelos. Quantas outras crueldades sofrem milhares de africanos e africanas que simplesmente ignoramos? Se não queremos essa situação para nós, porque a toleramos para os outros? Não podemos dizer que não temos como saber o que ocorre na África. As mutilações, as guerras fraticidas, a fome e outras formas de sofrimento são conhecidas, mas nada se faz para mudar essa situação. Como podemos dizer que não temos o que fazer, que uma mulher ou homem não faz diferença, se temos o exemplo de uma mulher cujo destino teria sido viver e morrer no deserto da Somália, mas que tem agora voz no mundo inteiro como embaixatriz da ONU?
Alguém poderia argumentar que a história de Waris é uma exceção, que a grande maioria das pessoas, aqui ou na África, não tem a sorte de atingir a notoriedade que permitiu que ela assumisse a missão que desempenha hoje. Concordo. Waris enfrentou 12 anos de miséria, três dias de fuga pelo deserto, 6 anos de humilhação como imigrante negra em Londres e só recebeu a atenção do resto do mundo quando descobriram que era, apesar de tudo, linda. Mas aqueles que sofrem na África, ou em qualquer outra parte do mundo, terão então que depender somente de mulheres e homens fortes de suas comunidades que tenham a sorte de sobreviver e se imporem ao resto do mundo para fazer ouvir as vozes de seus povos?

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